As negociações para um possível acordo de livre comércio entre o Mercosul e a China têm gerado uma onda de preocupações em diversos setores da indústria brasileira, que enxergam a possibilidade de um impacto significativo sobre sua competitividade e capacidade de investimento. A Coalizão Indústria, composta por 14 entidades representando diferentes ramos da indústria nacional, alerta que tal acordo pode resultar em uma suspensão imediata de R$ 500 bilhões em investimentos programados para o período de 2023 a 2027.

 

Entre os setores mais afetados estão a construção civil, a indústria de transformação, o setor automotivo e o têxtil, que já enfrentam a concorrência crescente de produtos chineses no mercado brasileiro. Representantes dessas indústrias afirmam que a entrada massiva de produtos asiáticos, especialmente a partir de um acordo que facilitaria ainda mais as importações, poderia provocar um verdadeiro “tsunami” econômico, comprometendo o futuro de investimentos estratégicos e a geração de empregos no país.

 

Investimentos Sob Ameaça

A indústria brasileira vem lidando com desafios crescentes relacionados à competitividade no cenário internacional. Com a possibilidade de um acordo de livre comércio entre Mercosul e China, os setores produtivos nacionais se veem diante de um cenário de incertezas que podem resultar na suspensão de uma expressiva parte dos investimentos previstos até 2027. Segundo a Coalizão Indústria, dos R$ 826 bilhões programados para serem investidos nesse período, cerca de R$ 500 bilhões podem ser imediatamente congelados. Esse montante envolve setores como:

 

  • Construção civil: R$ 200 bilhões
  • Indústria alimentícia: R$ 150 bilhões
  • Máquinas e equipamentos: R$ 87,3 bilhões
  • Transformados em plástico: R$ 83 bilhões
  • Aço: R$ 81,7 bilhões
  • Setor automotivo: R$ 81 bilhões
  • Têxtil: R$ 41 bilhões
  • Eletroeletrônicos: R$ 35 bilhões
  • Cimento: R$ 27,6 bilhões
  • Farmacêutico: R$ 21 bilhões
  • Calçados: R$ 10,2 bilhões
  • Brinquedos: R$ 8 bilhões

 

A magnitude desses investimentos demonstra a importância desses setores para a economia brasileira. Contudo, a perspectiva de uma competição ainda mais acirrada com os produtos chineses, já fortemente presentes no mercado interno, pode forçar as empresas nacionais a reavaliarem seus planos de expansão e modernização. O coordenador da Coalizão, Marco Polo de Mello Lopes, destacou que a assinatura de um acordo com a China, nos moldes do que tem sido proposto, inviabilizaria a continuidade de muitos desses investimentos.

 

Siderurgia Brasileira: Setor em Alerta

Um dos setores mais afetados pela competição com a China é a siderurgia. O aumento das importações de aço chinês já tem causado dificuldades à produção nacional, com impactos diretos sobre a demanda interna. Mesmo com a implementação de mecanismos de defesa comercial, como a criação de cotas e a aplicação de tarifas de importação, os produtos chineses continuam a inundar o mercado brasileiro, agravando ainda mais a situação do setor.

 

Marco Polo, que também é presidente-executivo do Instituto Aço Brasil, revelou que, nos primeiros três meses de vigência do mecanismo de cota-tarifa, as importações de nove produtos siderúrgicos listados somaram 625 mil toneladas. Desse total, 46% entraram pelo regime de cota, enquanto os outros 54% pagaram 25% de imposto de importação ou foram incluídos em outros regimes de exceção. Um ponto de preocupação foi o aumento expressivo de importações via o Porto de Manaus, que registrou crescimento de mais de 100% na entrada de itens, indicando falhas no sistema de controle e fiscalização.

 

Para o setor siderúrgico, a continuidade desse cenário, aliada a um acordo de livre comércio com a China, pode trazer consequências devastadoras, como o fechamento de plantas industriais e a perda massiva de empregos. Representantes do setor cobram ações mais efetivas do governo, apontando que outros países têm adotado medidas de defesa comercial para proteger suas indústrias e que o Brasil precisa seguir o mesmo caminho.

 

Ameaças à Indústria Têxtil e Automotiva

Outros setores igualmente relevantes, como o têxtil e o automotivo, também manifestaram grande apreensão quanto ao avanço das negociações com a China. Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), apontou que as importações de têxteis cresceram 13% entre janeiro e julho deste ano, enquanto a produção nacional expandiu apenas 3,6% no mesmo período. Se o acordo de livre comércio for efetivado, a expectativa é de que o setor de confecção, já pressionado, sofra ainda mais com a entrada de produtos estrangeiros a preços imbatíveis.

 

No setor automotivo, Márcio de Lima Leite, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), destacou o impacto das importações chinesas sobre a produção nacional. Segundo ele, as importações de veículos e peças da China cresceram 800% nos últimos meses, resultando em um aumento significativo de emplacamentos de veículos importados. Para as montadoras brasileiras, que já enfrentam desafios relacionados à modernização tecnológica e ao custo de produção, essa concorrência desleal pode comprometer a sustentabilidade do setor.

 

Desafios para o Futuro da Indústria Brasileira

A possibilidade de um acordo de livre comércio entre Mercosul e China coloca a indústria brasileira em um momento crítico, no qual decisões estratégicas precisarão ser tomadas para garantir a sobrevivência de setores chave da economia. O avanço das importações chinesas não apenas ameaça a produção nacional, como também gera um efeito cascata sobre o emprego e a arrecadação de impostos, comprometendo o crescimento econômico do país.

 

Enquanto as negociações prosseguem, representantes da Coalizão Indústria têm buscado sensibilizar o governo para a necessidade de adoção de medidas que protejam a produção nacional, sem comprometer a inserção do Brasil no comércio internacional. Para muitos desses setores, a abertura irrestrita do mercado interno para produtos chineses pode representar uma verdadeira catástrofe econômica, cujas consequências seriam sentidas por toda a sociedade.

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